Carta aberta de um agente de segurança penitenciária

Sou do interior do Estado, sempre estudei e no ano de 2008 surgiu a oportunidade de me inscrever para o concurso que previa 2.000(duas mil) vagas para o cargo de agente de segurança penitenciária do nosso Estado. Mesmo com um pouco de receio e medo, dada a natureza da função, fiz minha inscrição, no valor de R$100,00. Me preparei e graças a Deus e a minha dedicação consegui lograr êxito na prova escrita, num universo de mais de 30.000 mil inscritos, passando para as próximas etapas, onde também fui aprovado/apto. Em seguida participei do curso de formação ao lado de outros valorosos guerreiros e guerreiras de todos os locais do Estado e do País. Logo após houve a nomeação das primeiras turmas(dentre as quais eu estava incluso), o que foi seguindo durante os anos, arrastando-se até hoje, onde vários candidatos passaram por todas estas fases e mesmo após acionarem a Justiça o governo atual ainda reluta em colocá-los em exercício.

Em janeiro do ano de 2009, após todos estes trâmites oriundos do concurso público e a tão sonhada nomeação e posse, dada pelo então Governador Cássio Cunha Lima, comecei de fato e de direito, a exercer a função de agente de segurança penitenciária, função a qual me dedico até os dias atuais. Logo num primeiro momento nos deparamos com um sistema totalmente à margem da sociedade(como ainda o é) e esquecido pelo Estado, sem profissionalização dos valorosos servidores daquela época e sem condições alguma de atingir o seu fim enquanto mecanismo do sistema de justiça criminal. A realidade é que todo dia aprendia algo diferente, pois o verdadeiro curso de formação é o dia a dia no cárcere, nas missões, nos desdobramentos que éramos e ainda somos obrigados a lidar para que a Cadeia NÃO VIRE. Tudo isso sem o apoio da secretaria e do Estado, que apenas exigem resultados, mas não dá condições.

A maioria das Unidades Prisionais tinham à frente dos cargos de Diretor, pessoas indicadas por políticos, assim como outros que ocupavam e ainda ocupam o cargo de agente e/ou outros cargos e funções extremamente importantes no Sistema Penitenciário Estadual, através da Secretaria do Estado de Administração Penitenciária(SEAP), que em 2009 era a Secretaria Estadual de Cidadania e Adm. Penitenciária. ESSA OCUPAÇÃO DOS CARGOS POR MEIO DE INDICAÇÕES POLÍTICAS AINDA É UMA REALIDADE!

Ingressei com muita vontade de dar o meu melhor, algo que tento manter até os dias de hoje, mas confesso que essa missão de manter o foco é extremamente dolorosa. O próprio sistema, por meio de medidas tomadas por parte do Estado, através da pasta responsável e de outros órgãos envolvidos, dificulta muito que essa chama da dedicação, zelo e valorização da função permaneça acesa. Os anos foram passando e aos poucos fomos modificando a cara do Sistema Penitenciário Paraibano, que não preciso me aprofundar muito para demonstrar, basta fazer uma simples comparação. Alguns cargos de direção e outros, após muitos questionamentos da classe e raros os que foram ouvidos por parte de membros do governo, começaram a ser preenchidos por agentes penitenciários de carreira. Ora, quem mais entende de Sistema Penitenciário se não o próprio agente de segurança penitenciária? Foi uma enorme vitória para a classe. Incomum, mas não deixava de ser uma vitória. Fazendo uma ponte com os dias atuais, continuamos preenchendo alguns desses cargos, no entanto, há exceções, coisa que não observamos em outras instituições, a exemplo da POLICIA MILITAR, BOMBEIROS MILITARES e a própria POLICIA CIVIL. Não temos e nunca tivemos AGENTES PENITENCIÁRIOS comandando Batalhões, guarnições, forças tarefas policiais, investigações ou delegacias da polícia judiciária. No entanto, o sistema penitenciário da paraíba, tem servido para que outros profissionais, das mais diversas funções, pelo simples fato de serem próximos a alguns políticos, venham à nossa secretaria e comande a área que nós, agentes de segurança penitenciária, somos os legítimos pilares. Não estou aqui querendo desmerecer estes colegas de outras instituições, muito pelo contrário, pois alguns contribuíram para um sistema melhor, a exemplo do Tenente Coronel PM Arnaldo Sobrinho, o Delegado Walber Virgulino, o advogado Harrison Targino, dentre outros que vieram para nossa casa com a intenção de contribuir, fazendo da indicação e/ou mero débito político, um bom trabalho, coisa rara atualmente. A todos estes e outros, meus sinceros agradecimentos.

Com o que tratei acima, fica mais do que claro e necessário a criação e vigência de uma Lei Orgânica e um Plano de Cargos, Carreira e Remuneração(PCCR) para que o sistema esteja profissionalizado, deixando de lado essa amarga e imoral sina de cabide de empregos. Por isso pedimos ao Governo que proceda com essa mudança, que surtirá apenas bons frutos, tratando como essencial e delicado o que realmente o é. Mas o Governo não nos ouve e prefere jogar toda a opinião pública e a sociedade contra os agentes penitenciários, visto que a ânsia de manter os cargos para cabos eleitorais, conchaves políticos e os desmandos é prioridade para este governo.

Voltando a historicidade do sistema, lembro-me quando conseguimos, através de alguns agentes engajados e o diálogo do então secretário, a criação dos grupos especiais e outras funções necessárias ao Sistema Penitenciário(GPOE, Força Tática Penitenciária, o próprio COPEN entre outros), que surgiram com o passar dos anos, após diversas provocações da classe. No entanto, nada do que esses grupos e outros que ocupam as funções de Chefe de Disciplina, Chefe de Almoxarifado, Coordenadores de Plantão, alguns colegas que trabalham no administrativo da unidade ou na própria secretaria, encontram respaldo legal. Ou seja, nada está previsto e disciplinado legalmente, ratificando a importância da LEI ORGANICA e do PCCR.

Para se ter ideia da gravidade e da triste realidade dos agentes penitenciários da paraíba, nós não temos um PCCR(plano de cargos carreira e remuneração), isso implica dizer que eu, que sou Agente Penitenciário há mais de 07 anos, recebo o mesmo valor de um colega que tenha 01, 05, 10, 15, 20 ou 30 anos na mesma função. Isso é justo? Esta e outras são nossas reivindicações que o Governo, junto ao atual Secretário, Vagner Dorta, que é Delegado da Polícia Civil, relutam em nos conceder.

Retornando a história que vivi nesses pouco mais de 07 anos de sistema penitenciário, vi muitos colegas perdendo sua vida, sua plena saúde, sua dignidade, sua força de vontade e, mais atualmente, sua liberdade de locomoção, como foi o lamentável caso do Agente de Segurança Penitenciária, Alberto França, que ocupava o cargo de Diretor da Cadeia Pública de Solânea, unidade esta que abriga mais de 80 presos e conta com apenas 02(dois) agentes de plantão, sem armamento e outros equipamentos de proteção individual e sem a mínima estrutura para que funcione de maneira segura. Alberto foi vítima de disparo de arma de fogo por parte de um ex-recluso desta Unidade, que provocou no referido colega de profissão uma tetraplegia. Ou seja, o colega não vai mais andar. Atualmente encontra-se internado no Hospital de Emergência e Trauma da cidade de Campina Grande, esquecido pelo Estado e pelo Secretário, e passará a receber pouco mais de R$ 1.000,00 para viver a partir de agora. Nós, colegas de profissão, que estamos ajudando com despesas, através de campanhas nas redes sociais. Temos ou não, motivos para chamarmos atenção para nossa delicada e frágil situação?

No ano de 2014 nos mobilizamos para pedir que o governo entendesse a necessidade da criação da LEI ORGANICA, PCCR, CURSOS DE RECICLAGEM, que adquirissem equipamentos de proteção individual, armamentos, munições, investissem em estrutura etc. O governo, através dos seus porta vozes, visto que o governador nunca dialogou com a classe, prometeram instituir uma comissão mista para a análise das reivindicações e anseios da classe. A comissão foi publicada no diário oficial do Estado, concluiu os trabalhos a respeito da LEI ORGANICA e do PCCR, mas até os dias atuais nada saiu do campo das promessas, inclusive todas as outras coisas que solicitamos. Após este movimento a secretaria, conhecida pela sua forma de tratar os profissionais, agiu em retaliação aos ditos subversivos e transferiu vários agentes, deu início a vários processos administrativos e fez uso de outros meios para ameaçar e prejudicar vários colegas. Esse é o Governo do diálogo?

No corrente ano(2016), mais uma vez nos mobilizamos através de Assembleia regionais(Polos de Campina Grande, Sertão e da Capital), onde decidimos pela paralisação, tendo em vista a gravidade que encontra-se o Sistema Penitenciário e o esquecimento do governo para com os agentes. Fomos chamados de “enxeridos”, ameaçados de que iríamos pro pau, seríamos exonerados, demitidos e outros termos que, particularmente, machucou a minha alma. O secretário Dorta afirmou, numa rádio da capital, que recebemos R$ 3.400,00. Um secretário que não conhece nem os vencimentos básicos dos agentes já demonstra seu total desentrosamento com o Sistema. Mentira! Recebemos R$ 2.800, 00 líquido, que se afastado por qualquer motivo(saúde e outros), passa a perceber pouco mais de R$ 1.000,00. Vou resumir aqui alguns pontos dessa PROPAGANDA ENGANOSA veiculada pelo Secretário, visto que acho necessário a atenção para que todos tirem as conclusões se este secretário, que é Policial Civil, realmente tem capacidade para estar a frente da secretaria de administração penitenciária:

– Falou que é sempre aberto ao diálogo, coisa que nunca aconteceu, nem por parte dele e muito menos por parte do Governador, que em quase 06 anos de gestão, nunca nos recebeu em audiências, como provam os vários ofícios solicitando estes diálogos que eles se dizem abertos;

– Falou que uma Lei Orgânica é viável e justa, no entanto permanecemos sem esta lei que regulamentaria e profissionalizaria a classe de agentes penitenciários;

– Diz que não há perseguição e processos administrativos de natureza intimidatória, mas todos que estamos no dia a dia desse sistema sabemos que há, embora também haja os necessários, quando, por exemplo, nossos colegas debandam para o crime, casos em que a punição deve ocorrer em todas as instâncias e órgãos competentes;

– Alegou que o presidente da Associação tem problemas pessoais com ele e vice-versa, no entanto devemos ter consciência que o princípio da impessoalidade ainda rege a administração pública, coisa que ele claramente esquece;

– Diz que com a nossa movimentação cercearíamos direitos dos apenados, coisa que não fazemos e nem faríamos, pois zelamos pela legalidade e humanidade sempre. Só que ele, na condição de secretário da pasta e delegado, cerceia direitos objetivos e subjetivos dos agentes, inclusive quando nos obriga a trabalhar sem os devidos equipamentos necessários para o exercício da função, quando não envia a alimentação básica para as unidades prisionais, quando deixa de enviar outros itens necessários e obrigatórios seu fornecimento por parte do Estado para os detentos;

– Disse ainda que seria natural, caso nós déssemos prosseguimento ao movimento, a POLICIA MILITAR assumir as Unidades Prisionais, indo contra o que disciplina a Constituição Federal, em seu artigo 144;

– É fácil ser contra qualquer aumento remuneratório para nós, quando este mesmo Secretário, tem um dos maiores salários do Estado, percebendo mais de R$ 17.000,00. Poderia abrir mão desses valores em nome da crise;

– Discursou que não respeitamos os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, onde o mesmo, acompanhado do governo do Estado, afastam estes e outros princípios quando tratam com a categoria e o sistema penitenciário;

– Por fim, mas não menos importante, reconheceu que contribuímos com a diminuição da criminalidade, mas o próprio governo não reconhece, deixando de lado quaisquer prêmios, contrapartidas ou reconhecimentos formais dessa nossa contribuição.
 

Várias palavras que desmereceram o nosso trabalho e a nossa conduta enquanto profissionais honrados ainda foram ditas pelo secretário. O governo e a secretaria estão nos perseguindo diuturnamente, pelo simples fato de procurarmos melhorias, que não influenciariam positivamente apenas no Sistema Penitenciário, mas em toda sociedade. Agora, até ameaçam nos prender, exonerar, demitir, pois nos negamos a trabalhar com armamento danificado, munições velhas, coletes vencidos, sem fardamento, pois o estado não nos disponibiliza.

O secretário e o Estado estão apenas executando o que foi dito pelo Secretário de Comunicação do Estado, o senhor Luís Torres, que falou: “Ei menino(referência aos Agentes Penitenciários da PB), aqui não é igual ao Ceará, não. Se fizer(greve) vai pro pau! Eu demito, eu boto pra fora, eu puno e o cacete.” […] “O objetivo é desestimular qualquer movimetozinho(greve ou paralisação) dos enxeridos(agentes penitenciários) daqui.”

Fica mais do que óbvio que o Governo tenta de todas as maneiras combater e desrespeitar a classe de Agentes de Segurança Penitenciária, que tenta apenas conquistar dignidade, valorização, profissionalização da função, respeito, melhores condições de trabalho, segurança e mais atenção por parte do poder público, que não dialoga de maneira alguma, dando prioridade apenas ao ataque a estes homens e mulheres de bem.

Sofro muito, assim como todos os colegas. Precisamos que todos saibam a realidade que vivemos.

Saudações desse Agente de Segurança Penitenciária que honra e exerce as suas atribuições da melhor maneira possível.

 

(Preservada a Autoria)

 

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